top of page

Fim do monopólio 
e início de uma nova era

Antes mesmo de separar a camisa, fazer as compras para o churrasco de domingo e avisar aos amigos que “o jogo hoje é lá em casa”, o torcedor brasileiro precisa checar onde a partida será transmitida. Isso, porque, longe das salas e quintais que reúnem milhares toda semana durante o sagrado horário do jogo, o futebol é um produto de marketing, mídia e cifras milionárias. E foram essas cifras que reinventaram as plataformas de transmissão nos últimos anos.

 

Para entender o novo cenário de divisão de direitos, analisando o período de 2020 a 2022, é preciso voltar um pouco no tempo – mais precisamente para 2018. O ano marca o início do fim do monopólio de transmissão pelo o Grupo Globo.

A “mamãe Globo” tirou seus filhos de casa

Entre os anos de 1990 e 2010, Globo e Bandeirantes reinavam tranquilas sobre o Brasileirão, principal campeonato do país. Por acordo com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e o extinto Clube dos 13, as emissoras tinham privilégio diante das demais: o consórcio entre os dois canais possuía acesso a todas as propostas de compra, incluindo valores oferecidos, antes que as negociações pelos direitos de transmissão fossem abertas. 

 

Com isso, Globo e Band estavam sempre um passo à frente na hora da oferta e garantiam os melhores acordos. O consórcio dividia as partidas entre os canais: jogos maiores eram exibidos pela emissora carioca, enquanto os menores eram veiculados pela emissora paulista – que também poderia optar pela retransmissão do jogo principal.

​

O cenário manteve-se estável até 2011, quando o Conselho  Administrativo  de Defesa  Econômica  (CADE) impôs mudanças que derrubaram o privilégio do consórcio. A partir de então, os times nacionais passaram a ter direitos individuais sobre a veiculação das partidas, e a Globo abriu mão da parceria com a Band, negociando direta e individualmente com cada equipe.

 

Os novos acordos conquistaram primeiro Flamengo e Corinthians, seguidos pelos demais grandes clubes. Ninguém arriscaria ficar fora das grandes praças – e anúncios publicitários – do país.

 

“São Paulo e Rio são as duas principais metrópoles do país e principais referências para o mercado publicitário investir, especialmente São Paulo, onde se concentra quase 70% do bolo publicitário. Para fazer investimentos, a publicidade leva em consideração os índices de audiência de São Paulo”, explica Gabriel Vaquer, colunista de televisão no Notícias da TV. 

 

Com as transmissões sob controle, tanto na TV aberta como no serviço a cabo e pay-per-view – graças ao sportv e Premiere – o Grupo Globo estabeleceu um monopólio entre 2011 e 2018, à época também sobre os campeonatos continentais. O cenário, porém, mudou novamente com o desembarque do Grupo Turner – extinto após ser comprado pela Time Warner e integrado ao conglomerado de comunicação da AT&T – em terras brasileiras.

 

Os americanos ofereceram R$ 520 milhões – mais acordos individuais com os times – pelos direitos de transmissão do Brasileirão, contra os R$ 500 milhões oferecidos pela Globo, e passaram a veicular as partidas na TV a cabo pelos canais TNT e Space. Com o movimento, a emissora carioca perdeu a exclusividade de transmissão das partidas, maior diferencial de toda a briga de mídia. 

 

A perda de exclusividade acendeu o primeiro sinal de alerta para o esporte da Globo. As perdas financeiras em função das paralisações pela pandemia de covid-19, em 2020, foram o segundo sinal. O conglomerado de mídia viu seus lucros líquidos caírem de R$ 752,5 milhões, em 2019, para R$ 167,8 milhões em 2020. Em especial, a receita com venda de publicidades e serviços caiu de R$ 14 bilhões para R$ 12,5 bilhões, de acordo com relatório da própria empresa. 

 

O strike final veio com a MP 984/2020, posteriormente aprovada como lei pelo governo Bolsonaro com o “nome fantasia” de  Lei do Mandante. A nova legislação deu aos clubes o direito de arena, ou seja, a liberdade para negociar a veiculação das partidas em que atuavam como mandantes com qualquer emissora, independentemente do contrato do adversário com outro canal. Em termos práticos, o Fortaleza poderia jogar em casa e transmitir o jogo na Band mesmo que o adversário fosse o Corinthians e tivesse contrato com a Globo, por exemplo. 

 

Diante do novo cenário, a ordem para o canal, então, foi de reorganizar a casa – o que incluia abrir mão de seus “filhos do futebol”. A primeira a deixar o lar foi a Libertadores, após quebra unilateral do contrato que a Globo mantinha com a Conmebol; em seguida, o Campeonato Carioca também teve de procurar outro caminho depois da rescisão do contrato de R$ 120 milhões com a emissora; o último a sair foi o Campeonato Paulista, que não teve o vínculo de R$ 225 milhões renovado.

Para onde foram os jogos?

Com o fim do monopólio, a reorganização da grade esportiva da Globo e as mudanças de público e audiência durante a pandemia, clubes e entidades tiveram de repensar como exibir os campeonatos no Brasil – pelo bem do torcedor e de seus cofres.

​

“O direito de transmissão é a maior fonte de receita dos clubes e é também a mais confiável, mais perene”, afirma Rodrigo Capelo, colunista do Globo Esporte. "primeiro se vendia tudo junto, depois televisão aberta e fechada separados, depois televisão aberta, fechada e pay-per-view separadas”.

A segmentação das transmissões é o meio que os dirigentes encontraram para faturar mais. Em um primeiro momento, eles viram a oportunidade de fatiar isso de acordo com a plataforma e vender separadamente para conseguir aumentar o valor. 

Rodrigo Capelo, colunista do GE

Usando o novo modelo de venda, os clubes e entidades puderam ir além dos limites da TV e abriram as portas nas plataformas de streaming, pago e gratuito. A aposta foi impulsionada pelo grande volume de partidas: usando diferentes meios, é possível transmitir mais jogos, alcançar audiências diferentes e conquistar novos mercados. 

 

Os resultados da aposta se converteram em números superlativos. Em 2020, ano das renegociações, os modelos e contratos movimentaram R$ 1,8 bilhões apenas com direitos de transmissão. Já em 2021, foram R$ 3,4 bilhões. Os dados são da pesquisa Convocados, da XP Investimentos, feita com base nas demonstrações financeiras dos clubes. As receitas são resultado da soma dos campeonatos estaduais, Copa do Brasil, Brasileirão, Libertadores, Sul-Americana e Mundial de Clubes.

O presente é segmentado mas o futuro, incerto

Ainda que diante de um cenário otimista, é preciso pontuar que o mercado dos direitos de transmissão está em transição. O atual acordo entre CBF e Globo pela exibição do Brasileirão, por exemplo, tem validade até 2024, com futuro ainda incerto diante da nova legislação e das propostas de criação de ligas entre os clubes brasileiros.

 

Para Capelo, o futuro dos novos contratos não é previsível porque ainda não se sabe quem vai negociá-los: “Se for uma liga com 40 clubes, a gente pode imaginar algo mais civilizado, em que os 40 clubes colocam as 380 partidas de Série A mais 380 de Série B num pacote e montam alguns pacotinhos de partidas”, propõe o jornalista. 

 

“Hoje, a gente tem a Libra, tem o Forte Futebol – com divergências muito fortes em várias camadas. Parece que eles poderiam até chegar a um ponto de vender os direitos separadamente em dois blocos comerciais. Aí, a negociação já é totalmente diferente. A Lei do Mandante vai ter um peso ainda maior porque cada um só vai ter os seus próprios jogos enquanto mandantes. Eles [os times] vão fazer pacotes comerciais e vão ao mercado cada um com uma estratégia. Vira uma maluquice, um cenário caótico”, finaliza Capelo. 

 

Além do futuro incerto, existe outro fator decisivo para a consolidação das novas plataformas: a viabilidade do futebol ao vivo no streaming. Diferentemente dos gastos com outros produtos de entretenimento, como a produção de séries e filmes, o gasto com um campeonato é alto e o retorno, pontual – uma vez que as competições só são relevantes durante a temporada. Filmes e séries, por sua vez, têm um ciclo de consumo muito mais longo, de meses e até anos, dependendo da popularidade da produção.

 

Em termos práticos, é muito mais vantajoso ao HBO Max investir milhões em House of the Dragon, o bem sucedido spin-off de Game of Thrones, garantindo que a série permaneça no catálogo e seja rentável para publicidade pela plataforma durante anos, do que gastar outros tantos milhões com o Paulistão, que só será atrativo durante alguns meses do ano.


Por esses motivos, a maioria dos especialistas entende que TV e internet são complementares para que sejam funcionais. É o que defende Vequer: “Os streamings contemplam o que a TV aberta e a TV por assinatura não podem transmitir, por falta de espaço. Em um Brasil com tanta dificuldade de internet, com tanta dificuldade de acesso, não podem ser a única opção”.

Novos acordos foram firmados entre empresas, contratos fechados com entidades e federações... Mas e as torcidas? Torcedores contam como têm se adaptado aos novos formatos e as experiências de acompanhar os times do coração agora também pela internet.

bottom of page