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A produção do futebol multiplataforma

Concorrência, parceria, pesquisa de mercado, perfil de consumidor… No fim da conversa, todas as estratégias mercadológicas trabalham para fazer a bola rolar e o jogo seguir na tela de quem está em casa. Seja pela produção da TV, narração do rádio ou resenha na internet, é o fator humano, pelo olhar de repórteres, comentaristas e narradores, que atrai o torcedor e a torcedora.

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Por mais corriqueiro que pareça a quem se acostumou a ser audiência, do ponto de vista de quem faz o espetáculo, cada partida é única, carrega suas próprias histórias e tem uma maneira singular de ser contada. O objetivo final, no entanto,

é comum a todos os meios de transmissão: levar a atmosfera do campo para quem está fora do estádio.

 

“Isso é o que mais acontece: perceber o ambiente do estádio e, a partir daí, sentir o clima do jogo. Sentir qual é o momento de falar cada coisa numa transmissão para que o ouvinte – que geralmente está sentindo a mesma coisa que o cara que está no estádio porque torce pro mesmo time – possa se ambientar também no que está acontecendo naquele momento, no que representa cada acontecimento daquele jogo”, diz Leonardo Dahi, repórter da rádio CBN São Paulo.

 

Dahi, que começou a desempenhar a função no período de restrições da pandemia, detalha que o modo com que as informações e lances são reportados no rádio varia de acordo com a posição física do jornalista, seja no estúdio ou

no estádio. No primeiro caso, a equipe de transmissão narra a partida baseando-se nas imagens que vê pela TV. 

 

Já no segundo caso, são dois cenários possíveis: reportar a partir da visão que se tem na cabine de transmissão, vendo o campo e lances de maneira mais ampla e geral; ou atrás do gol, tendo uma visão mais próxima do campo e alternando entre as perspectivas de cada time. “Quando a gente tem só um repórter no estádio, tem aquela coisa: o lance que acontece no seu gol, no gol onde você está, é perfeito porque você tem todos os detalhes, consegue identificar tudo que tá acontecendo. Quando as coisas acontecem no outro gol, no lado oposto ao seu, é um pouco mais difícil”, explica Dahi.

 

Como narrador, Pedro Martelli, da Rádio Bandeirantes, diz que o comportamento da torcida nos estádios também é um ponto a ser observado e levado para quem ouve de casa. Ter a torcida como termômetro ajuda a tornar até a partida mais corriqueira em um acontecimento importante.

 

“A gente sempre tenta, independentemente se um jogo é grande ou não, fazer dele importante. A gente observa, por exemplo, se o estádio está cheio ou não, se o torcedor está chegando em cima da hora ou não. Porque, se ele chega muito antes, às vezes é um sinônimo de um jogo mais importante. Também dá para reparar se o pessoal está vendo o jogo de pé ou sentado: se todo mundo está de pé também é um indicativo de que tem uma tensão maior. Dependendo do torcedor, você enxerga até os padrões”, comenta o narrador.

 

Martelli detalha os comportamento habituais de duas grandes torcidas de São Paulo e como acrescentam à transmissão. Qaundo torcedores do Corinthians não cantam tanto no estádio é um indicativo de que algo, seja dentro ou fora das quatro linhas, está errado com o time. Já com torcedores são-paulinos a situação é inversa: quando a torcida canta muito, é sinal de que há algo importante ao redor da partida. 

 

“Você tem que descrever isso. ‘Todos os torcedores estão de pé’; ‘O torcedor do São Paulo não para de cantar um segundo’; ‘Tem muitas bandeiras tremulando’. Às vezes, pode ter mensagens nessas bandeiras com manifestação política, de reclamação, de descontentamento com a diretoria. Tudo isso você tem que descrever e assim passar o que está acontecendo na atmosfera do estádio”, completa o jornalista.

A grande diferença é essa, você se envolve muito mais com a transmissão e se envolve muito mais com a torcida, com as reações dos jogadores. Mesmo que às vezes aconteçam ali na sua frente, você sente o jogo de uma maneira totalmente diferente.

 Leonardo Dahi, repórter da Rádio CBN São Paulo

Leonardo Dahi, repórter da rádio CBN São Paulo

Quando o assunto é a produção de futebol para a televisão, o formato carrega muitas características do rádio. Mesmo com o auxílio das imagens que o espectador acompanha em casa, o narrador ainda fala sobre os lances com a ênfase e emoção que nasceram no rádio – em níveis menores de descrição e velocidade das falas – e que caíram nas graças do público brasileiro. 

 

“Até hoje, a gente ainda narra como se narrava no rádio, nas décadas 1950 e 1970. É muito do brasileiro. Se você pegar as narrações, principalmente europeias, elas são mais flat: mais monocórdicas, quase que uma locução mesmo. Aqui, não.

Aqui, a gente aprendeu a ouvir o jogo com emoção por causa do rádio”, afirma Henrique Guidi, narrador do sportv.

 

Para o repórter de campo, o trabalho é estar de olho no que a câmera não conseguiu captar de imediato e assim pautar a equipe do estúdio. À beira do campo, o repórter tem de estar atento às movimentações ao redor da partida, trazendo o bastidor para a transmissão ao vivo, como explica Renato Peters.

 

“O trabalho principal é observar o que está acontecendo, ver a movimentação, de repente, a cara do técnico. Acontece muito, por exemplo, o técnico chama um jogador que vai ser substituído e na hora ele troca essa substituição. Isso é interessante: as broncas que acontecem ali, tentar captar o que o técnico está pedindo para o time. Às vezes, alguma reação de um jogador também é boa”.

Palmeiras 3 x 1 Santos - Campeonato Paulista 2023

Palmeiras 3 x 1 Santos - Campeonato Paulista 2023

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Imagens: Palmeiras 3 x 1 Santos - Campeontato Paulista 2023 |Paulistão no YouTube/FPF

Entrevista: Renato Peters

Com 20 anos de experiência na reportagem, Peters destaca que, por ser acessível a grande parte da população, a televisão faz parte do imaginário e rotina do torcedor, o que é uma vantagem diante de outras ofertas de exibição: “Com essa onda de tecnologia, por exemplo, a gente não precisa mais esperar pelas coisas como na minha época. Mas, ao mesmo tempo, o jogo não é a hora que você quer. Se eu quero Palmeiras e Corinthians, não vai dar para ser agora. Vai ser numa quarta-feira, 21h da noite, ou vai ser domingo, 16h da tarde. Isso é um aliado da televisão. Ela não pode fazer você assistir a hora que quer porque fez [do jogo] um evento”. 

 

O grande desafio da produção da TV, no entanto, é reter a atenção de quem está assistindo e, que, muitas vezes está dividindo o foco com outra tela. Na visão de Guidi, o formato vive o processo que o rádio também teve de lidar: quando o espectador usa dois dispositivos ao mesmo tempo, como quando ouve a narração radiofônica olhando as imagens da TV no mudo, por exemplo.

Nossa competição hoje não é necessariamente com as outras TV ou com os outros players que estão transmitindo o jogo. A disputa é com a Netflix, HBO Max, Amazon Prime e quando não estão transmitindo jogo. Estou falando sobre séries, sobre filmes.

É uma a disputa de atenção.

Henrique Guidi, narrador do sportv

“Eu tenho no máximo 2 minutos para prender a atenção de quem assiste; às vezes, 30 segundos. E aí é a linha tênue, não posso mentir: como que faço para tornar interessante um jogo que nem sempre é tão interessante, ao mesmo tempo, não posso dizer para as pessoas que é um jogaço sendo que está ruim. Então, converso muito, tento colocar o meu telespectador o tempo todo dentro da transmissão, colocar elementos do jogo para que ele se aproxime de mim. Porque, assim, ele fica comigo independentemente do jogo”, finaliza Guidi. 

 

Pensando nas transmissões via streaming, lidar com o fator multitelas tem sido o grande trunfo do formato. O fato de ser nativo da internet já o deixa em vantagem, porque foi construído para ser acessível também por outros dispositivos – como no caso dos aplicativos que funcionam tanto nas smartvs quanto nos celulares – e receber interações em tempo real, seja via chat das plataformas, como YouTube e Twitch, por exemplo, ou redes sociais.

 

Em termos de produção de imagens, câmeras e estrutura, o streaming não se difere da televisão. Isabella Magaldi explica que a LiveMode produz tanto os jogos para a CazéTV quanto para a TV Globo, ou seja, a entrega do produto bruto é a mesma.

A diferença entre os dois formatos está na condução dentro do estúdio e na equipe que comanda a transmissão. 

Em entrevista ao podcast Podpah, Luís Felipe Freitas, o Luisinho, narrador da CazéTV, conta que a construção dessa imagem descontraída – característica do canal e que tanto atraiu o espectador durante a Copa do Catar – é feita no dia a dia. O narrador diz que, por conta do formato ser pensado para a internet, consegue estar mais próximo da audiência fora das transmissões, abrindo o dia a dia, bastidores e momentos marcantes durante as lives. Ao longo do mundial, Luisinho narrou

22 partidas em 17 dias seguidos, e ia além dos 90 minutos de jogo, participando de lives pré e pós jogos.

A receita deu certo e engajou a audiência do canal para além da Copa: “É aquele torcedor que está cansado de uma transmissão convencional, com narrador, comentaristas e repórteres formais. São torcedores que preferem uma resenha mais descontraída, que muitas vezes vai juntar personalidades que ele já conhece, do futebol e da internet”, completa

Isabella Magaldi.

Embora ainda não seja possível prever como será o futuro das transmissões em termos de negócios, o modelo multiplataforma veio para ficar. Seja no rádio, na TV ou na internet, quem produz tende a trabalhar olhando para mais de um suporte e, assim, oferecer conteúdos integrados. Quem assiste, também tende a olhar para mais de uma tela, para ter a experiência completa. No fim, esse jogo, pela liderança e atenção segue sendo uma partida pra lá de disputada. 

A Copa do Catar 2022 ilustrou bem como o futebol multiplataforma funciona. Além dos tradicionais jogos na TV,

o torneio foi veiculado por rádios e, pela primeira vez no Brasil, no YouTube.

A experiência de assistir ao Mundial em diferentes telas foi melhor sucedida que a busca da seleção pelo hexa? 

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