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No que isso afeta a torcida?

Contratos e acordos firmados de lado de lá da tela entre clubes e empresas de mídia, é chegada a hora de acertar as coisas do lado de cá, com o torcedor. É esse personagem que tem de ser convencido a assinar novos serviços de streaming e pay-per-view para conseguir acompanhar a temporada completa dos jogos do próprio time.

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O primeiro passo seria comunicar sobre a reorganização das transmissões – o que não aconteceu como deveria: “Hoje, o difícil é você saber onde vai passar o jogo. Antes você passava uma semana inteira ouvindo que domingo tem Corinthians. Agora, para eu saber que tem um jogo, tenho que pesquisar para saber onde vai passar. Senão, fica difícil de saber onde assistir”, diz a torcedora corintiana Bruna Cavalcante.

 

Assim como Bruna, a são-paulina Andreza Araújo, também teve de encaixar o “onde assistir?” em sua rotina: “Eu me informo [sobre as partidas] jogando no Google mesmo. Meu pai tem um aplicativo de futebol na TV e às vezes eu pergunto para ele, às vezes ele pergunta para mim, a gente se ajuda. Eu senti muito quando os jogos começaram a sair da TV, principalmente

os jogos de quarta-feira, que mudam toda a programação”.

 

Pesquisar sobre os jogos, no entanto, não é um obstáculo tão grande para elas. Bruna e Andreza, de 24 e 27 anos, respectivamente, são de uma geração familiarizada com os meios digitais. Para audiências como elas, ter os jogos em outras plataformas é uma ideia bem-vinda. 

 

Bruna, por exemplo, conta que tem de conciliar os estudos e o trabalho com o tempo para assistir aos jogos do Corinthians, seu time do coração. O momento de acompanhar as partidas precisa se encaixar na rotina puxada, inclusive aos fins de semana, quando trabalha como operadora nas cabines de pedágio do sistema Anchieta-Imigrantes, no litoral paulista. 

 

“Hoje em dia eu acompanho muito futebol nas redes sociais, não tenho tempo para parar e ver um jogo. Quando paro, dá para ver de vários jeitos. Teve um jogo do Corinthians no Paulistão que eu vi pelo PlayPlus, então deu para espelhar na televisão. Assisto também pelo YouTube, no celular, enquanto estou no trabalho, lá dentro da cabine mesmo. Às vezes até

em casa mesmo vejo por aplicativo, tenho uns quatro aplicativos que passam futebol”.

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Há ainda quem vá além. Tendo o futebol como principal motivação, a palmeirense Flávia Garzia, 35, mudou os hábitos de TV por conta das novas tecnologias: “Eu tenho o Premiere para assistir a todos os jogos do Brasileirão, e, basicamente, todos os streamings. A gente fez uma troca na minha casa: eu não tenho mais [canais de] TV, a gente abriu mão da TV aberta e da TV a cabo em favor dos streamings. Então, onde o Palmeiras for jogar, a gente vai arrumar uma forma de assistir o jogo

seja via streaming ou seja via YouTube”.

No caso da palmeirense Flávia, são muitas plataformas para não perder nenhuma partida da equipe. Levando em conta a temporada de 2022, ela pôde assistir ao time da capital jogar:

  • Libertadores no Star+ e na Conmebol TV*

  • Copa do Brasil no Prime Video

  • Brasileirão no Premiere

  • Campeonato Paulista no HBO Max e YouTube

  • Mundial de Clubes no Bandplay

  • Recopa Sul-Americana também na Conmebol TV

 

Colocando na ponta do lápis, os custos com streamings giraram em torno de R$ 150 a R$ 200 mensais.

Rival de Flávia, o corintiano Gabriel Câmara, 23, vê o valor como um dinheiro bem gasto: “Além de ser corintiano, eu gosto de futebol, gosto de assistir a jogos internacionais, outras competições. Então, assim é mais fácil assistir, você consegue assistir vários jogos e em diversas telas diferentes. No fim, é um dinheiro que tiro do meu bolso para poder ter qualidade”.

 

Contudo, nem todos se habituaram tão rápido aos novos modelos. O também palmeirense Roque Barbosa, 53, acompanha os jogos da equipe somente pela televisão aberta e recorre às transmissões – nem sempre oficiais – no YouTube, quando não encontra as partidas nos canais tradicionais.

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“Eu não tenho canal por assinatura. Jogo para mim é na televisão e só quando é transmitido pelos canais abertos. Fora isso, tem que recorrer à internet, no celular. E não assino nada, só vejo aquilo que está disponível no YouTube. Já vi jogos inteiros pelo YouTube, mas é ruim. O camarada fica falando o tempo inteiro, pedindo Pix, a tela não é reta”, comenta ele, em referência às transmissões piratas em que a imagem aparece na diagonal – o caminho para “endireitá-las” é o tal depósito na conta dos donos dos canais. A prática, ilegal, infringe direitos autorais.

 

Apesar do apreço pelo time alviverde, Roque explica que o fator financeiro é um impeditivo para torcedores como ele, que não tem tantos recursos ou dispositivos para arcar com as diversas opções de plataformas pagas: "Tendo jogo pela TV aberta, você consegue assistir sem ter custo, sem ter que contratar pacote de nada”.

O futebol é uma coisa atraente, bom de se ver, mas é uma coisa que dá muito lucro para poucos. E o consumidor final, na maioria das vezes, não tem salário suficiente para isso. Pela internet eu não sei nem pesquisar [por streamings], mas sei que existe e você tem mais possibilidades, assim como no canal fechado.

Roque Barbosa, torcedor do Palmeiras

Diferentemente de Roque, Marcelo** deu um jeito de não perder nenhum jogo do São Paulo, mesmo sem pagar por serviços oficiais de streaming. Trabalhando em plantões noturnos numa portaria de edifício de classe média no bairro de Perdizes, em São Paulo, o torcedor recorreu à UniTV, uma espécie de agregador de canais a cabo por sinal pirateado – popularmente conhecido como “gatonet” ou TV Box –, que dá acesso à centenas de emissoras e plataformas de entretenimento, tanto pela TV quanto pelo celular.

 

“Nem todo mundo tem condições de pagar muita coisa. Então, pago um valor simbólico de R$ 35 e tenho uma TV completa no meu celular. Todo mês eu pago, um outro rapaz me manda o código [de acesso] e o aparelho recagarrega”, explica o são-paulino. “Eu baixei na minha TV e tenho acesso a 280 canais, no celular também. Sou meio viciado, então não assisto só [as partidas] do São Paulo, se estiver passando jogo de outros clubes vou assistir também”.

 

Ainda que seja uma alternativa comum, a prática de “gatonet” e aparelhos de TV Box são ilegais no Brasil. O artigo 183 da Lei 9.472, de 1995, a chamada Lei Geral de Telecomunicações, tipifica como crime a comercialização de sinal de televisão clandestino. 

A Anatel, agência responsável pelo controle e regulação de telecomunicações, estima que existam de 5 a 7 milhões de aparelhos de sinal pirateado no País. No início de 2023, o órgão anunciou o bloqueio dos aparelhos, mas ressaltou que o foco da operação seriam as organizações que repassam o conteúdo pirata, não o usuário final.

Brasil abre as portas para o mercado de streaming

Mesmo diante dos desafios socioeconômicos de grande parte da população, as plataformas de entretenimento on demand, ou sob demanda, colocaram-se como alternativa mais econômica em relação à TV a cabo, encontrando terreno fértil

na América do Sul. 

 

Antes mesmo do futebol e conteúdos ao vivo, o relatório BeyondBorders 2021/2022, do EBANX, mostrou que a América Latina se consolidou como 2º maior território consumidor de streaming no mundo, à frente de Europa e Estados Unidos. 

 

No caso do Brasil, a pesquisa aponta que o crescimento das ofertas de streaming é um reflexo do gosto do brasileiro por serviços de e-commerce, ou comércio e transações digitais. O mercado digital nacional é considerado o mais valioso entre os latinos, avaliado em U$ 156,2 bilhões, cerca de três vezes maior que o segundo colocado México, avaliado em U$ 49,6 bilhões.

 

O relatório revela ainda que a alta se deve à familiaridade brasileira com o uso e consumo pelo celular, seja este de compras ou conteúdos online. Em 2022, o relatório da FGV sobre o uso de tecnologias constatou que o número de aparelhos já superou o total da população: são 242 milhões de smartphones para cerca de 214 milhões de habitantes, mais de um dispositivo por pessoa. Quando o assunto é streaming, o celular só compete por atenção com as smarTVs: 51% dos consumidores prefere navegar pelos aplicativos nas TVs e 30% pelo celular, como aponta a pesquisa da KPMG.

Futebol ao vivo? Tem também na internet

Estabelecido o cenário, as empresas de streaming resolveram investir massivamente no País, o que inclui a oferta de esportes ao vivo: “Esse já era um comportamento, de migrar da televisão paga para o streaming, e o esporte foi apenas uma outra peça do conteúdo que parou nas mãos das plataformas. As pessoas já consumiam tudo lá, então, por quê não trazer os eventos ao vivo?”, diz Antonio Forjaz, country manager do Prime Video Brasil, serviço de streaming da Amazon.

 

O executivo explica que, atualmente, as transmissões via internet estão na fase de atrair e consolidar a audiência, de maneira que os streamings sejam também sinônimo de esporte ao vivo. O principal atrativo é a oferta de produções em formatos menos tradicionais, com figuras conhecidas do público da internet e que geram identificação no torcedor.

 

“É preciso conversar com o consumidor e garantir, via estratégias de marketing e de awareness, a entrega do conteúdo de esporte para as pessoas. Por exemplo, a gente contratou o Luva de Pedreiro, que é um cara super popular, para mostrar às pessoas que agora a gente tinha esporte dentro do Prime Video. Depois, eu acho que é um trabalho de hábitos. Quando você começa a criar esse hábito, o consumidor já sabe que lá também vai ver futebol”.

 

A contratação de Luva de Pedreiro como garoto-propaganda fez parte da estratégia de divulgação da Copa do Brasil

no Prime Video, primeiro campeonato exibido na plataforma, em 2022. No ano anterior, a Amazon adquiriu os direitos de transmissão de 36 jogos da competição na internet e apostou no influenciador como um dos rostos do produto na plataforma. Além de Luva, as transmissões do Prime Video ainda contaram com narração do jornalista Tiago Leifert e comentários de Casimiro, maior streamer do país.

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Enquanto Luva segue contratado pela Amazon em 2023, Leifert e Casimiro seguiram caminhos diferentes após a final da Copa do Brasil no ano passado – com destaque principalmente para o segundo. 

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O apresentador voltou à Globo para narrar os jogos da Copa do Mundo do Catar no Globoplay, como transmissões alternativas às da TV com Galvão Bueno. Já o streamer se uniu à LiveMode – empresa de gerenciamento de direitos esportivos – e investiu na CazéTV, canal de YouTube criado para a exibição diferentes competições, incluindo a Copa do Mundo.

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Como streamer e influenciador, Casimiro já era conhecido e adorado pelo público antes da CazéTV. O também jornalista começou na internet com lives e reacts na Twitch, além de seu canal de cortes do YouTube, que ganhou projeção nacional durante a pandemia. Hoje, Casimiro conta com 3,6 milhões de inscritos na Twitch, um dos maiores streamers da plataforma, e mais de 3,4 milhões de inscritos no YouTube.

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Já a CazéTV nasceu no segundo semestre de 2022, da parceria do streamer com a LiveMode e por necessidade da Fifa de transmitir a Copa do Catar também na internet. O canal teve direito de exibição de 22 jogos: todas as partidas da seleção brasileira e as partidas de abertura e final do torneio.

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A proposta do canal foi de ambientar a exibição das partidas, inclusive pré e pós jogo, como uma grande resenha entre amigos. E deu certo: “Nós atingimos números surreais no YouTube mundo. Foram 6 milhões de espectadores simultâneos na eliminação da seleção brasileira para a Croácia”, comenta Isabella Magaldi, marketing e influencer analyst na LiveMode. “O atrativo sempre vai ser a linguagem, o casting e os VTs envolvidos [nas transmissões]. Na internet temos mais liberdade para criar e ousar”, completa ela.

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Com o sucesso da CazéTV durante o Mundial do Catar, o canal teve portas abertas para se aproximar mais da Fifa e outras entidades esportivas. Atualmente, com mais de 8 milhões de inscritos, a CazéTV transmitiu os jogos mandados por Vasco e Botafogo, no Cariocão 2023, do Athletico-PR, no Brasileirão 2023, o Mundial de Clubes e as Copas do Mundo Sub-17

e Sub-20. 

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Além desses, o canal já confirmou a transmissões da Copa do Mundo Feminina 2023, que acontece entre julho e agosto na Austrália e Nova Zelândia, e vai produzir conteúdos exclusivos do Time Brasil no atual ciclo olímpico, tanto nos Jogos Pan-Americanos de Santiago 2023 como nas Olimpíadas de Paris 2024.

*A Conmebol TV foi extinta ao final de 2022 e seus conteúdos foram incorporados ao Paramount+.

**Nome fictício, para preservar o sigilo e segurança da fonte.

Seja por fatores financeiros ou preferências pessoais, cada torcedor encontrou a sua maneira para acompanhar o time do coração. Com a segmentação dos direitos de transmissão, as audiências também se segmentaram

e os perfis dos espectadores mudaram nos últimos anos, conforme apontam pesquisas especializadas.

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