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Uma Copa, muitas telas, nenhuma estrela

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A Copa do Catar, em 2022, foi a edição mais fora dos padrões até aqui. O mundial aconteceu entre novembro e dezembro, ao invés dos costumeiros meses de junho e julho; foi realizado no meio do deserto, em cenários praticamente artificiais e construídos para o torneio; pela primeira vez, narradoras e comentaristas mulheres fizeram parte das equipes de transmissão do campeonato masculino mais famoso do mundo. E, foi também a primeira Copa a ser exibida ao vivo no YouTube no Brasil. 

 

A única – e já velha conhecida – certeza daquela edição foi a esperança brasileira no hexa. Dessa vez o sentimento era forte, bem fundamentado em uma campanha sólida desde o início do ciclo de amistosos e competições continentais em 2019. Na ocasião, trazia ainda a possibilidade de sentir a emoção de ver a taça ser erguida por mãos brasileiras novamente, mas ouvindo vozes e vendo por telas diferentes. “Já pensou ouvir o gol do hexa por outra voz que não a do Galvão na Globo?”. Eram várias as possibilidades. 

Cinco estrelas iguais, cinco telas diferentes

Vivi novas experiências em todos os jogos que a seleção brasileira disputou no Catar. A primeira partida da nova campanha pela sexta estrela. Vi e ouvi como de costume: televisão ligada na Globo, Galvão Bueno na narração e todas as suas habituais cornetadas bem servidas durante a transmissão. 

 

Bem, amigos, o primeiro tempo foi sofrido – em todos os sentidos. No Catar, a seleção não conseguia chegar perto do gol:

os sérvios se fecharam na defesa, brigavam pela posse de bola com marcação fechada e a recuperavam com faltas duras em cima dos brasileiros. A seleção não encontrava espaço para criar lá, e eu não encontrava uma tela nítida para ver

o jogo aqui.

 

Me reuni com amigos para assistir ao jogo no Beco da USP, no Butantã, ponto de encontro dos estudantes da Universidade. Em cerca de 50 metros de uma só calçada, eram ao menos três televisões ligadas: todas no mesmo jogo, mas cada uma em um tempo diferente. As vozes do mesmo Galvão se confundiam porque o sinal vinha tanto da TV aberta como do Globoplay e, assim, acompanhavam o delay da reprodução. O sol forte daquela quinta-feira de novembro também não ajudava e as telas, que não eram muito grandes, ficaram quase invisíveis.

 

“No intervalo, vamos para a Vital [Brasil]. Tem duas lanchonetes ali em cima e deve estar mais calmo por lá”. Entre a correria e o aperto para passar pela multidão e subir a rua, se ouviu o “autoriza o árbitro” para o início do segundo tempo. Recomeçou o jogo lá, recomeçou o nervosismo aqui. E assim se fez até os 16 minutos do segundo tempo: Neymar vai pela esquerda, encontra Vinicius Jr. que tenta, para no defensor sérvio e a bola sobra para Richarlison, pronto para pegar o rebote.

Brasil 1 a 0. 

O mais interessante foi ouvir o mesmo grito de gol três vezes, uma para cada TV dos estabelecimentos abertos na avenida, cada um num tempo diferente. Dali há pouco, mais de onze minutos, a comoção foi ainda maior, graças à pintura também saída dos pés de Richarlison. Aos 27, Vini Jr. serviu o centroavante, que estava sem marcação no meio da área sérvia,

e o resto, já é história. Brasil 2 a 0 em uma estreia memorável, também graças à tradição da TV aberta. 

Brasil 2 x 0 Sérvia - Copa do Mundo do Catar 2022

Brasil 2 x 0 Sérvia - Copa do Mundo do Catar 2022

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Imagens: Brazil vs Serbia Highlights | Fifa
Narração: Galvão Bueno/Rede Globo

Brasil e Suíça foi igualmente sofrido. Naquela segunda-feira, assisti à partida sozinha e novamente na Globo, já que não tenho canais fechados. O jogo foi tão pegado quanto a estreia: sem grandes chances, com muitas faltas e gol só no segundo tempo. Marquinhos, Vini Jr., Rodrygo e então Casemiro, que de trivela acertou o gol. Brasil 1 a 0 e classificação garantida para as oitavas. O brilho da sexta estrela começava a despontar na imaginação.

Brasil 1 x 0 Suíça - Copa do Mundo do Catar 2022

Brasil 1 x 0 Suíça - Copa do Mundo do Catar 2022

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Imagens: Rede Globo
Narração: Galvão Bueno/Rede Globo

“Amiga, na sexta vamos ver o jogo do Brasil na FAU? Falaram que lá foi legal”. Recebi o convite por mensagem e confirmei a presença. O vão livre da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP estava lotado de alunos. Em uma das extremidades, um telão improvisado exibia… as imagens da CazéTV?! Seria minha primeira vez vendo um jogo do Brasil com outra equipe de transmissão, mas a animação era grande, já que o Casimiro e sua irreverência são sinônimos de sucesso. 

 

Quando o jogo começou, a estranheza foi geral. Luisinho é um ótimo narrador e todos os envolvidos na cobertura também estavam bem, mas, ainda assim, era diferente. O jogo, que encerrava a fase de grupos da seleção brasileira, seguia o mesmo roteiro dos anteriores. Porém, conforme o tempo ia passando e nada acontecia, criou-se um clima de superstição na vivência da FAU. 

 

A seleção jogava com o uniforme azul, a escalação trazia um time misto e nenhuma jogada inspirava muita confiança. “Gente, acho que dessa vez não vai sair gol”. “Mas já está classificado, 0 a 0 é lucro”. Com um minuto para o fim do primeiro tempo quem levou perigo foi a seleção camaronesa ao gol brasileiro, salvo pela defesa de Éderson. 

 

Fim do primeiro tempo, início do segundo e nada. A resenha entre a equipe da CazéTV já não agradava mais a torcida do meu grupo de amigos: “Tá vendo, jogo do Brasil é só com Galvão, tá dando é azar”, “Abre o Globoplay no celular que vai sair o gol do Brasil. Pode por”. A tentativa de chamar a sorte não deu certo, já que o sinal de internet nos deixou na mão, e acabou atraindo o que ninguém queria ver: em um contra-ataque, a seleção de Camarões se antecipou à marcação brasileira e Mbekeli cruzou para Aboubakar, que finalizou com sucesso. 

Créditos: Melhores Momentos: Camarões 1X0 Brasil pela Copa do Mundo 2022  LIVE DO CAZÉ | Cortes do Casimito

Nos acréscimos do segundo tempo, 1 a 0 para os camaroneses, a primeira vitória de uma seleção africana sobre o Brasil em Copas do Mundo. Como toda a história da Mundial até ali, esse foi mais um fato fora dos padrões. “Pelo menos a gente perdeu para uma seleção africana, foi decolonial da parte do Tite, sabe?”, comentou um amigo. Pela certeza do hexa,

no entanto, era melhor evitar sair dos padrões dali para frente: nada de jogo no Casimiro e nem de camisa azul.

 

Mesmo com a derrota para Camarões, o Brasil conseguiu se classificar para as oitavas de final em primeiro lugar no grupo G e enfrentou a simpática seleção sul-coreana no jogo seguinte. Vivi um pequeno caos naquela segunda-feira porque tive de trabalhar presencialmente antes da partida, e não tinha certeza de onde iria assistir. No caminho do trabalho para casa, fui acompanhando as escalações e o pré-jogo pelas redes sociais, grata porque a aba de Moments do Twitter ainda existia e era atualizada em tempo real.

 

Decidi em cima da hora que assistiria com amigos em uma hamburgueria, a 15 minutos de distância de casa. Enquanto estava no ônibus até o local, São Paulo me presenteou com uma chuva, e o minuto a minuto do Globo Esporte no celular foi o que me manteve atualizada até chegar. Dessa vez, a seleção brasileira entrou decidida e Vini Jr. abriu o placar logo aos 6 minutos do primeiro tempo.

 

“Amiga, hoje a gente tá com sorte. Esse aí não é Galvão mas já saiu até gol”. O não Galvão era Milton Leite, que narrou os jogos do Brasil no Sportv,sportv, canal escolhido pelo estabelecimento para permanecer ligado durante a partida. E o narrador trabalhou aquele dia: aos 12, Neymar converteu pênalti, com direito a paradinha; aos 28, Richarlison apareceu na área e deixou o dele – ninguém segurou o pombo no Catar.

Brasil 4 x 0 Coreia do Sul - Copa do Mundo do Catar 2022 | Narração: Milton Leite/sportv

Para fechar o primeiro tempo e cravar 4 a 0 no placar, Vini Jr. apareceu para servir Paquetá, que chegou sozinho na área, marcando o dele e caindo na dancinha para comemorar. A seleção bailou. Aos 30 do segundo tempo, Paik Seung quis se despedir do mundial com categoria e chutou direto, fora da área, sem chance de defesa para Alisson. O jogo terminou com goleada de 4 a 1 para o Brasil e a ideia do hexa já era realidade. Uma pena é que não durou muito.

 

Brasil e Croácia seria o primeiro grande embate da seleção naquela Copa. Os europeus eram os atuais vice-campeões da competição, mas já não apresentavam o mesmo futebol de 2018. Para acompanhar, vivi o segundo pequeno caos consecutivo, mas esperava que terminasse bem como no jogo anterior. Como teria que viajar logo após a partida, vi o tempo regulamentar em casa, na Globo, enquanto terminava de arrumar as malas. 

 

Sim, tempo regulamentar. Não teve criatividade que superasse a marcação e o jogo fechado dos croatas, e nem defesa sólida que impedisse as chegadas com perigo da seleção adversária. O Brasil se fechou lá e segurou o 0 a 0 até o fim do segundo tempo. 

 

Eu fechei a casa e fiquei na agonia de esperar que um carro de aplicativo aceitasse a corrida a tempo de ver a prorrogação. Fomos eu e o motorista atentos ao jogo no rádio, ouvindo a locução frenética de Ulisses Costa durante o caminho do Butantã até o bairro do Brooklin. No finalzinho do primeiro tempo da prorrogação, Neymar apareceu para marcar aquele que seria o gol da classificação. 

Brasil 1 (2) x Croácia 1 (4) - Copa do Mundo do Catar 2022 | Narração: Ulisses Costa/Rádio Bandeirantes

Seria, porque a gente sabe que não foi. Já em frente à uma TV, consegui ver Petkovic acertar o gol brasileiro faltando 4 minutos para o fim do jogo. Não vou lembrar daquela traumática sequência de pênaltis, o leitor entende onde vamos chegar, certo? Mas o fim da história é que por 4 minutos, não teve Brasil na semifinal diante da Argentina e, muito menos, hexacampeonato. Fica, quem sabe, para 2026.

A Copa fora dos padrões estabeleceu
novos padrões?

O que de certo já está aqui é essa nova realidade, com várias possibilidades para acompanhar e amar esse esporte que move milhões. A Copa foi um divisor de águas para o futebol multiplataforma ao apresentar cenários que podem democratizar o acesso para quem quer torcer, independente de onde esteja. 

 

Como toda nova ferramenta, essas também precisam de ajustes que caibam dentro da realidade brasileira. Seja no delay, que adianta o grito de gol para um e atrasa para outros; seja no sinal de internet, que não chega em todos os lugares e às vezes nem é comum a todos; e até mesmo nos valores e assinaturas, que podem afastar quem só queria comemorar com a torcida. 

 

Resta saber se a disposição para tais ajustes e o jogo entre os novos e velhos formatos terá mais sucesso que seleção de 2022 ou se os resultados ficam para, quem sabe, 2026.

Assim como a Copa do Mundo chegou ao fim para o Brasil, nossa série sobre o futebol na era do streamings também chega ao fim.

Confira quem faz o Onde assistir? e a ideia que inspirou o projeto na página a seguir.

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